quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Medicina em Mina

A Medicina está presente ao virar de cada esquina, e é isso que de mais belo existe na minha profissão. A sua omnipresença em omnipotência em constante desafio!
O caso dos mineiros chilenos é disso exemplo.
Saíram da mina depois de 68 dias enclausurados a quase 700m de profundidade, com uma comunicação “especial” com o exterior que lhes foi fornecendo alimentos e equipamentos que lhes permitiram ocupar o tempo, para além das consultas de psicologia e aconselhamento médico que foram tendo.
Mas não saíram de uma forma qualquer.
Foi escavado o túnel que permitiu a introdução da cápsula “Fénix” que levou 6 elementos das equipas de salvamento para o interior da mina, depois a retirada dos 33 mineiros e, por fim, a saída dos 6 elementos das equipa de salvamento.
No transporte para a superfície os mineiros foram alvo de algumas precauções, nomeadamente utilização de óculos de sol por causa dos raios ultra-violeta (UV) à superfície e tampões nos ouvidos por causa da despressurização da subida. Nas 24h anteriores ingeriram uma dieta rica em açúcares para que ingerissem maiores quantidades de água a fim de reduzir a náusea associada à subida (a cápsula gira sobre si mesma várias vezes por minuto e a subida de cada um levou entre 15 a 20 minutos). Durante a subida foram filmados e sujeitos a monitorização cardio-respiratória, isto depois de serem observados no interior da mina por um médico e novamente à superfície por outro.
Aguardem que hão-de surgir vários artigos científicos em revistas médicas sobre este assunto. De mineiros desconhecidos, a famosos enclausurados, a cobaias da Medicina.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Erro Médico

Serão punidos com penas de repreensão escrita, os profissionais envolvidos no processo que condicionou lesões de queimadura no tubo digestivo das crianças envolvidas num procedimento diagnóstico no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Garcia de Orta.
Aparentemente terá havido troca de fármacos e o inquérito apurou “deficiente identificação ou verificação por parte da médica responsável pela sua administração”.
O erro médico é uma discussão com muitos anos. As consequências do erro médico podem ser mais ou menos nefastas mas, regra geral, estão associadas a uma repreensão social intensa.
Espera-se do médico que haja em conformidade com a ciência e com aquilo que para cada um de nós são boas práticas. Podendo as minhas boas práticas não serem as boas práticas do outro.
Pede-se ao médico que aja em conformidade com a aura endeusada com que o revestem, e esperam que o médico conceba actos miraculosos.
Quando o médico erra e as consequência são graves/nefastas a imagem e o discurso mudam, a sociedade repreende e a aura endeusada desaparece.
O erro em epígrafe é grave, mas mais do que repreensão, mais do que crítica ou mais do que trucidação da profissional, urge mais uma vez repensar as condições da profissão médica no SNS desde as condições físicas em termos de espaço, aos horários praticados.
Urge pensar, acima de tudo, que para que se tenha uma boa prática clínica, com execução de tarefas condignas, prestigiantes, prestigiadoras e capazes, não é possível realizar serviços de urgência infindáveis com horários perfeitamente loucos e surreais.
Urge pensar que, hoje em dia, para que se tenha uma boa prática clínica, não é possível trabalhar sem os meios informáticos suficientes para todo um serviço.
Urge pensar que, hoje em dia, para que se tenha uma boa prática clínica, é importante a aposta forte na formação contínua dos médicos em formação específica e pós-formação específica; e cabe não só às direcções de serviço, mas também às direcções clínicas e às administrações, apostar na realização de jornadas, seminários, sessões, simpósios e outras figuras de formação.
Urge pensar em conjunto e urge pensar para o utente e para o doente, visando a nossa acção directa sobre aqueles que recorrem aos nossos serviços.
Na aquisição de uma postura digna e capaz, urge formar e dar as melhores condições possíveis, para que melhor se possa intervir!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Política na Urgência - relato verídico

Tempo e situação política: campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2009 – era presidente do PSD a Dra. Manuela Ferreira Leite, e secretário-geral do PS o Eng. José Sócrates, ambos candidatos a primeiro-ministro, estando o último a tentar a reeleição.

Hora e local: 3h da manhã de uma urgência hospitalar do SNS.

Intervenientes: 1) médico do balcão de Medicina (interno da especialidade); 2) utente do sexo masculino de meia idade, raça branca, fato e gravata, cheiro a after-shave, barba aparada, cabelo com gel, sapato brilhante.

Situação do serviço de urgência: balcão de Medicina sem uma única ficha em atraso (dia perfeitamente atípico), decorriam reavaliações de doentes já observados.

Descrição: O utente em questão é triado de azul (não urgente) e não havendo mais nenhuma ficha para observar o médico chama-o de imediato.

Diálogo:
Médico (M) – “O que o traz por cá?”
Utente (U) – “Com os devidos respeitos senhor doutor, a Dra. Manuela Ferreira Leite é uma grande fil... da p...!”
M – “Desculpe!?!?!?!?!?”
U – “Já viu isto senhor doutor!? Não venho ao SNS há mais de 30 anos, chego aqui e está a sala de espera vazia, sou logo triado, nem me sento e ouço logo o meu nome do altifalante! O Eng. José Sócrates é um espectáculo, ele sim é um bom primeiro-ministro, põe o país para a frente e a Saúde está muito boa!”
E nisto o utente esteve sempre de pé, de mãos nos bolsos e falando como se estivesse na Speakers Corner do Hyde Park de Londres. Após engolir em seco o médico pergunta:
M - “Opiniões políticas à parte, diga-me o que o traz por cá a esta hora?!”
Insistindo em não se sentar, o utente vem para o lado do médico, adopta a posição de cócoras e sussura:
U – “Ó doutor, é que eu acho que tenho a pila muito curta e há 2 anos que não consigo coiso com a minha mulher, só com as outras, estive para vir mais cedo, mas só agora despachei a amante! O que acho que devo fazer?”

E é este o país que temos!... Educação, Saúde e Justiça como o forte deste governo de Sócrates!